segunda-feira, 10 de maio de 2010
VEJA e a juventude gay
Ao final da reportagem, após descrever a situação de diversos adolescentes homossexuais que se assumiram desde cedo, a revista conclui a reportagem com um raciocínio que, apesar de partir de um pressuposto correto, acaba desprezando de uma forma extremamente preconceituosa todo o esforço de uma geração de gays que lutou para que a homossexualidade hoje em dia seja relativamente aceita.
Tal conclusão era essencialmente a seguinte: hoje em dia, o jovem gay não relaciona a sua opção sexual necessariamente a uma causa a ser defendida, encarando a sua homossexualidade apenas como mais um dos traços de sua personalidade. Até aí nada demais, trata-se apenas de uma constatação embasada na observação cotidiana. Entretanto, ao tratar das antigas lutas do movimento gay, cujo apogeu foi em meados da década de 1970 nos Estados Unidos, a revista refere-se aos ativistas como militantes, estando essa segunda palavra entre aspas, como se fosse alguma coisa exótica e jocosa, reafirmando mais uma vez o desprezo de seus editores por qualquer tipo de mobilização social.
Ora, se hoje em dia o jovem gay goza de uma situação relativamente favorável no que diz respeito à aceitação social de sua opção sexual, isso não se deu simplesmente a uma mudança mágica na mentalidade da sociedade. Hoje em dia isso é possível justamente devido aos esforços de uma geração que se engajou ativamente na luta contra o preconceito em relação aos homossexuais, inclusive sofrendo diversas violências físicas e psicológicas. É essencialmente o mesmo que dizer que os direitos trabalhistas foram adquiridos magicamente, ao invés de ser devido a toda uma história de luta dos trabalhadores, que gradualmente foram conquistando tais direitos, sendo reprimidos duramente na maior parte das vezes.
De fato existe um “apoliticismo” por parte da juventude gay da atualidade. Constato isso empiricamente, uma vez que muitos de meus amigos são gays justamente dessa faixa etária. Eu particularmente considero isso algo lamentável, devido às minhas próprias convicções ideológicas de que é absolutamente necessário as minorias oprimidas organizarem-se em movimentos políticos, sem perderem de vista a dimensão maior da luta contra a opressão de uma maneira geral, em todas suas modalidades. Trata-se, evidentemente, de uma visão de mundo de esquerda. Tal visão, obviamente, não pode ser exigida de uma revista como Veja, notória pela sua adesão simplista aos ideais neoconservadores que ganharam força após a destruição do Muro de Berlim.
Entretanto, ao omitir a importância das lutas do movimento gay das décadas passadas, a revista presta um desserviço aos homossexuais e aos heterossexuais favoráveis ao fim do preconceito relativo à opção sexual. Ao tratar a homossexualidade apenas como uma mera opção individual desligada de uma realidade mais ampla, quase como o direito de consumidor individual adquirir um determinado produto, a revista reitera o seu desprezo por qualquer tipo de mobilização social.
Isso é particularmente perigoso. Uma vez que defesa ativa do direito de ser livre para exercer sua opção sexual se transforma em uma mera opção individual de classe média desligada de um contexto maior, a causa gay corre o risco de se enfraquecer e acabar desaparecendo. Isso não seria nada bom para os homossexuais, uma vez que atualmente pode-se perceber na sociedade em alguns setores um recrudescimento muito forte do pensamento conservador de cunho moralista, representado pela Igreja Católica e pelas mais diversas denominações protestantes, algumas que crescem em uma velocidades assustadoras, tanto em número de fiéis, quanto em poder econômico. O exemplo mais emblemático é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, dona de uma dos maiores canais televisivos e que em suas pregações associa o exercício da homossexualidade a algum tipo de doença causada por uma misteriosa influência demoníaca.
Diante de antagonistas cada vez mais influentes, isso não impede o surgimento futuro de alguma nova onda de preconceito contra os homossexuais. É por isso que o movimento gay desse estar organizado e pronto para defender-se de ataques. Basta lembrar os reincidentes casos de violência sofridos por diversos homossexuais (inclusive lésbicas que foram estupradas) em comunidades pobres dominadas por traficantes de drogas ou milícias, simplesmente ignorados pela grande imprensa e denunciados às autoridades pelo movimento gay organizado.
Diferentemente do que quer vender a revista, o preconceito ainda é muito elevado em alguns setores da sociedade, principalmente naqueles mais pobres, que a revista simplesmente prefere ignorar. Apesar de em parte a atitude da revista ser benéfica, ao retratar a homossexualide como algo absolutamente normal e cotidiano, sua conclusão final é desastrosa, e até mesmo prejudicial. Resta uma refutação veemente e melhor elabora por parte do movimento gay, conhecedor de muito mais casos de preconceito e violência do que qualquer pessoa de fora.
domingo, 29 de novembro de 2009
1968: Hobsbawm, Foucault e a “revolução” do cotidiano.
Introdução
O presente trabalho pretende fazer uma aproximação ao tema das interpretações sobre os levantes estudantis na França, em 1968. Em sua primeira parte, centraremos a discussão no relato que Eric Hobsbawm, historiador marxista ligado ao Partido Comunista inglês que presenciou tais revoltas, fez em sua autobiografia Tempos Interessantes. O fio condutor da discussão será encontrar dentro do relato de ceticismo de Hobsbawm a influencia de sua própria produção teórica e historiográfica. Tentaremos levantar críticas a ela a partir de outro autor marxista que muito contribuiu para o revisionismo do estruturalismo de Althusser e para a historiografia das revoltas e movimentos sociais, Edward P. Thompson.
Num segundo momento, discutiremos, a partir de um manifesto escrito por estudantes de Estrasburgo e situacionistas em 1966 e uma conferência de Michel Foucault no Collège de France em 1976, a efetiva ebulição do meio estudantil francês na década de 1960 e uma alternativa teórica muito interessante para se entendê-la.
Primeira parte
Eric J. Hobsbawm, assim como outros historiadores do século XX, contribuiu e muito para os estudos sobre as revoltas e o protesto popular em sociedades pré-capitalistas ou de capitalismo nascente. Seu célebre ensaio de 1959, Rebeldes Primitivos – na verdade uma compilação de artigos e estudos a respeito de movimentos milenaristas, banditismo social, a Máfia, turbas revoltosas e seitas –, será nosso ponto de partida. Os termos usados pelo autor – movimentos e pessoas “pré-políticos”, “arcaicos” – são emblemáticos para se entender sua perplexidade e o “descrédito” em relação às manifestações estudantis de Paris, em 1968.
Hobsbawm demonstra nesta obra uma preocupação em resgatar a história de homens e mulheres que por muitos anos foram negligenciados pela historiografia, sendo classificados como “fanáticos religiosos” ou simples bandidos, transgressores da Lei e da ordem. Alude a necessidade de estudos sistemáticos sobre tais movimentos, e que só assim se terá a percepção da complexidade de ações coletivas destes tipos. Logo o autor percebe que muitos destes movimentos estão muito longe de terem um caráter de superação e rompimento com tradições de opressão – o que se poderia pensar de uma turba camponesa revoltada contra um proprietário. Pelo contrário, grande parte deles, na tentativa de sua legitimação, buscarão evocar essas tradições contra novas tendências nas relações entre pobres e ricos, proprietários e não-proprietários. Com o surgimento do capitalismo e as mudanças que provoca nas relações produtivas, os movimentos camponeses, invocando um sentimento de justiça arraigado na tradição, se levantarão não contra a propriedade privada, mas contra o alargamento da dominação e da opressão requeridas pelas relações capitalistas – invocarão um tempo onde a dominação era “mais branda”, ou pelo menos os costumes colocavam freio nas ações dos proprietários. (HOBSBAWM, 1970, pp. 16-18). Desse quadro, para autor, surge o bandido social, ou aquele indivíduo que, como um Robin Hood, tratará de reequilibrar a relação entre dominantes e dominados através da ação bandoleira, do roubo, porém com uma legitimidade dada pela tradição do que “era justo” e está sendo deturpado pelos proprietários.
No entanto, a falta de uma organização e programa “políticos” claros nesses movimentos de pessoas que em sua maioria “não só não escrevem como não lêem muitos livros – muitas vezes porque são analfabetas” – fez com que Hobsbawm elaborasse o termo “pré-político” – duramente criticado pela atual historiografia dos movimentos políticos e sociais –, para se referir a esses fenômenos. (Idem, pp. 13). Cabe lembrar que à época em que lançou seu trabalho, Hobsbawm encontrava nos círculos marxistas das ciências humanas discussões que giravam em torno muito mais da consciência de classe e da organização e liderança partidária, o que certamente influenciou na sua percepção. Desta forma fica fácil entender que seus Rebeldes Primitivos pecavam justamente nos aspectos mais importantes de uma “autêntica” organização revolucionária: na maioria das vezes não estavam inteiramente a par da sua inserção social, da sua situação, de sua classe; e, em decorrência disso, estavam impossibilitados de pensar em uma verdadeira mudança revolucionária de suas condições de vida. Comparados sempre com as organizações operárias modernas do século XX, eles estavam sempre em desvantagem, pois sua luta pelo poder não poderia ser total, reduzindo-se a demandas “menores”, para o autor.
Em maio de 1968 acontecia um congresso sobre o pensamento de Marx, comemorando o sesquicentenário do nascimento do autor – um encontro cheio de “monografias extremamente tediosas sem qualquer interesse” onde “os participantes se sentiam estimulados a deixar o salão de conferências e ir passear nas ruas” (HOBSBAWM, 2002, pp. 274). Simultaneamente, os jovens parisienses levantavam suas barricadas e entravam em confronto com a polícia, gritando palavras de ordem, e com slogans emancipatórios – “Jouissez sans entraves” e “LSD tout de suíte!”. Apesar da empolgação que os tumultos causariam em Hobsbawm e outros pensadores de esquerda no mundo todo, o já conceituado historiador marxista admitiria: “interpretei mal o significado histórico da década de 1960”. (Idem, pp.279).
Na verdade, acreditamos que Hobsbawm olhou de maneira anacrônica e, até certo ponto preconceituosa mesmo, para as revoltas de maio de 1968, ainda que reconhecesse que os anos de 1960 foram realmente anos de grande transformação. O que o fez ver com ceticismo aqueles acontecimentos foram os mesmos elementos que fizeram com que outros intelectuais de esquerda olhassem com ressalvas parecidas. É o caso de Raymond Aron, citado por Hobsbawm mesmo, que concluiu “que eles não tinham objetivo algum: 1968 deveria ser entendido como um teatro de rua coletivo, um ‘psicodrama’ ou ‘delírio verbal’, porque era simplesmente “uma colossal libertação de sentimentos reprimidos” (Idem, pp. 278). Mais uma vez o elemento essencial neste tipo de análise do movimento era o aparecimento ou não de algum tipo de organização e objetivos políticos, no meio das revoltas. O grande problema era a concepção de “político” que estes intelectuais defendiam: algo muito ligado a atmosfera da intelectualidade de esquerda da época, ligada ao Parido Comunista e as discussões sobre os programas e a organização dos partidos e sindicatos operários.
Como em Rebeldes Primitivos, Hobsbawm procurou nas revoltas estudantis um certo “tipo ideal” (por mais contraditório que um conceito weberiano possa parecer dentro da análise de um marxista) de manifestação de demandas políticas. Assim como não conseguiu perceber que no século XIX e inicio do XX seus rebeldes batalharam politicamente com as “armas” de seu tempo que dispunham, ele também não compreendeu – pelo menos não imediatamente – que “O que é pessoal é político” (Idem, pp. 279), que outras instâncias da vida, durante a década de 1960 estavam se politizando com uma rapidez tremenda. Não era, evidentemente, fácil para um pensador marxista, nos anos 60, enxergar a “revolução” em manifestantes que “não pareciam estar muito interessados num ideal social, comunista ou de outro tipo, distinto do ideal individualista de livrar-se de tudo o que se arrogasse o direito e o poder de impedir-nos de fazer o que nosso ego ou id desejasse fazer” (Idem, pp. 278). Hobsbawm via nas manifestações contra a repressão sexual, pelo uso de drogas e pela liberdade em suas mais variadas formas, uma falta de clareza quanto à consciência destes estudantis a respeito de sua situação em quanto classe ou grupo social. Em outras palavras, se não desejavam a derrubada ou a transformação das relações sociais propulsoras do sistema capitalista (as relações de produção, a propriedade privada) logo não estavam lutando por uma transformação real ou eficaz, mas apenas tangencialmente tocavam na questão do poder e da dominação.
Entender o protesto enquanto forma de recurso político e de pressão sobre o Estado e a sociedade. O que Hobsbawm só entenderia anos depois de 1968 é que aqueles jovens queriam sim uma grande revolução, mas não queriam esperar por partidos, organizações, esquerdistas, etc.; por um programa político de derrubada total dos poderes estabelecidos e das relações de produção. Queriam algo mais imediato. A derrubada do capitalismo era algo a muito discutido e tentado, onde possivelmente aqueles jovens só viam conjecturas de uma intelectualidade quase inerte, enfiada dentro de congressos como o que acontecia em Paris naquela mesma ocasião. Queriam uma revolução das relações pessoais, queriam se levantar contra todas as formas de autoritarismo, enfim, destruir “padrões tradicionais de relacionamento entre pessoas e comportamento pessoal dentro da sociedade existente (Idem, pp. 279). A esse assunto voltaremos logo.
Por fim, acreditamos que cabe apresentar uma crítica ao momento histórico da produção marxista nos anos 1960, a qual, pelo menos indiretamente, também influenciou as concepções de Hobsbawm. A corrente estruturalista do marxismo, encabeçada, dentre outros, pelo filósofo Louis Althusser (1918-1990), era a grande base da maioria das análises marxistas mais ortodoxas. Resumidamente, e seguindo a crítica de E. P. Thompson, essa vertente via a relação entre infra-estrutura econômica e superestrutura social de forma a-histórica, não dialética. Deste modo, as formas superestruturais (direito, política, cultura, etc.) estavam atadas fatalmente a configuração da economia real, ou seja, as relações de produção e a dominação de classe. Não havendo assim margem para a manobra política dentro da sociedade capitalista. Em uma de suas obras clássicas, Senhores e Caçadores, Thompson debate diretamente com essa vertente mecanicista. No texto de Thompson o Direito, longe de se apresentar como uma simples máscara ideológica burguesa, se transformará em uma arena de conflitos entre as classes. A Lei, pela sua pretensão liberal de universalidade (vale para todos, sem exceção), funciona não apenas como uma arma das classes dominantes para assegurar a propriedade e a ordem, mas, em decorrência desse caráter universal, a Lei pode e de fato coloca obstáculos na própria dominação de classe que tenta perpetuar, abrindo espaço para discussões e tensões, onde o lado vitorioso (pobres ou ricos) não é imediatamente vislumbrado (THOMPSON, 1987, pp. 352-356). Analisando a relação entre base e superestrutura a partir do materialismo histórico, o autor pode de fato ir até os atores sociais com questões que não estão previamente esclarecidas de forma mecânica e estrutural pela dominação de classe. Mostra dessa forma que esta interação não é um dado imutável, e que, confirmando o que Engels e Marx sempre defenderam, o materialismo histórico é uma ferramenta de trabalho para o estudo da história humana, e não uma camisa de força teórica onde se enfiaria esta mesma história (THOMPSON, 1981, pp. 9-13).
Segunda parte
Percorrido o caminho para a explicação das categorias teóricas que estavam embutidas na percepção de Hobsbawm sobre as revoltas de estudantes em Paris em maio de 1968, faremos um esforço no sentido de entender os motivos reais e sentimentos desses jovens. Para tal, discutiremos, na medida do possível, uma espécie de texto-manifesto escrito por membros da Internacional Situacionista e estudantes da Universidade de Estrasburgo (região de Alsácia-Lorena, fronteira franco-alemã), no ano de 1966. Acreditamos que tal “documento” pode nos dar uma dimensão, se não exata, pelo menos capaz de aludir ao momento sócio-político destes jovens; suas insatisfações em relação ao sistema de ensino (ou o “ensino do sistema”); à política partidária; ao autoritarismo das instituições francesas; e seu descrédito e insatisfação frente ao próprio estudante francês.
O texto é dividido em três partes: a primeira delas, e a que mais nos interessa, discute exatamente às angústias e problemas já mencionados ; a segunda parte dá conta de fazer um balanço dos movimentos da juventude pela transformação social em todo o mundo, além de chamar a atenção para as apropriações que o próprio sistema mercantil capitalista faz desses movimentos, através da mídia, do mercado de trabalho, etc. ; a terceira e última parte é elucidativa do grau de politização e das aspirações revolucionárias desta juventude. A união operário-estudantil é defendida frente a correntes atomizadoras dos dois movimentos e segregacionistas; trata de aproximar as duas causas enquanto causas de transformação total das relações produtivas do capitalismo.
A crítica comportamental, que perpassa toda a primeira parte do texto é fundamental para nossa aproximação neste trabalho:
"Numa época em que uma parte crescente da juventude se liberta cada vez mais dos preconceitos morais e da autoridade familiar para participar, e bem cedo, das relações de exploração declarada, o estudante mantém-se ainda, a todos os níveis, numa "minoria prolongada", irresponsável e dócil. Se a sua tardia crise juvenil o opõe um tanto à família, ele aceita facilmente ser tratado como criança nas diversas instituições que regem a sua vida quotidiana." (Da miséria..., 1983, pp. 2).
A repulsa ao autoritarismo institucional cotidiano é bem clara. Apesar da revolta frente o tradicionalismo familiar, típico da juventude da década de 1960, na “sua nova família, a Universidade, ele supõe-se o mais ‘autônomo’ dos seres sociais, quando, pelo contrário, depende direta e conjuntamente dos dois mais poderosos sistemas de autoridade social: a família e o Estado” (Idem, pp. 3).
A situação concreta do estudante enquanto ser social em processo de preparo para o capitalismo também é problematizada. Segundo o texto sua falta de consciência frente ao ensino institucional da Universidade e a crescente tecnocratização deste ensino, é prova de sua ignorância e descaso frente os rumos tomados pela sociedade mercantil
"Que a Universidade se tenha tornado uma organização – institucional – da ignorância, que a própria "alta cultura" se dissolva ao ritmo da produção em série dos professores, que todos estes professores sejam uns cretinos, de tal modo que a maior parte dentre eles provocaria a algazarra de qualquer público de liceu -, tudo isso o ignora o estudante; e, respeitosamente, continua a escutar os seus mestres, com a vontade consciente de perder todo e qualquer espírito crítico, a fim de melhor comungar na ilusão mística de se ter tornado um "estudante", isto é, alguém que seriamente se ocupa na aprendizagem de um saber sério, na expectativa de assim lhe serem confiadas às últimas verdades. Trata-se, aqui, de uma menopausa do espírito" (Idem, pp. 4).
Um último ponto merece ser mostrado no texto, antes de uma análise mais teórica desse pensamento. Os movimentos e organizações estudantis ligados a organizações partidárias de esquerda também são alvo de duras palavras durante todo o libelo. “Mais sérios, e por conseguinte mais perigosos, são os modernistas da esquerda e os da UNEF conduzidos pelos ultras da FGEL, que reivindicam uma ‘reforma de estrutura da Universidade’, uma ‘reinserção da Universidade na vida social e econômica’, quer dizer, a sua adaptação às necessidades do capitalismo moderno” (Idem, pp. 4). Uma discussão tão atual, mas que tem suas raízes neste momento de renovação crítica e revolução cultural dos anos 1960. Os partidos e organizações ditas de esquerda, segundo o texto, longe de estarem lutando por frear a entrada maciça e a consolidação da lógica mercantil nas universidades, reclamavam a demora de tais reformas neo-liberais. “São eles os defensores da futura universidade cibernetizada que, aqui e ali, se anuncia já. O sistema mercantil e seus servidores modernos, eis o inimigo” (Idem, pp. 4).
Não é nossa intenção julgar a dureza destas palavras. O que queremos é mostrar o clima de insatisfação de uma boa parcela do corpo estudantil francês que, alinhada com a crítica situacionista, tomaria a frente das manifestações de maio de 1968. Mais do que isso, o tipo de revolta que manifestavam – a revolta contra a autoridade, contra o comportamento, o cotidiano de dominação – estava alinhada também com o pensamento de uma grande intelectual, filho deste tempo: Michel Foucault.
Apesar da consciência da dominação global exercia pelo sistema mercantil – a economia real, as relações produtivas –, a revolta estudantil não foi dirigida diretamente (ou pelo menos é assim que a entendemos) ao centro do poder econômico, às grandes corporações multinacionais, etc. Ao invés disso, e é aí que o alinhamento com Foucault fica mais claro, a revolta dos jovens franceses bateu de frente com a dominação exercida nas extremidades do sistema: na Universidade, na família, nas relações sócias cotidianas que disseminavam pelo corpo social, através das instituições, o poder e a dominação real. Foucault dizia:
"(...) o importante é que não se deve fazer uma espécie de dedução do poder que partiria do centro e que tentaria ver até onde ele se prolonga por baixo, em que medida ele se reproduz, ele se reconduz até os elementos mais atomísticos da sociedade. Creio que é preciso (...) fazer uma análise ascendente do poder, ou seja, partir dos mecanismos infinitesimais, os quais têm sua própria história, seu próprio trajeto, sua própria técnica e tática, e depois ver como esses mecanismos de poder (...) foram e ainda são investidos, colonizados, utilizados, inflectidos, transformados, deslocados, estendidos, etc., por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global. Não é a dominação global que se pluraliza e repercute até em baixo." (FOUCAULT, 2002, pp. 36) .
A proposta de Foucault, claramente indo de encontro à análise marxista mais rígida e estrutural (de “engessamento” do materialismo histórico), nos lembra que as formas e técnicas de dominação que existem disseminadas pelo corpo social em determinado tempo não decorrem mecanicamente da dominação classista, ou de um poder central caracterizado pela hegemonia de um grupo. Se afastando dessa concepção, vemos que o autor propõe o contrário: essa dedução esconde toda uma história das formas de dominação e sujeição entre os atores sociais sob o reducionismo da dominação de classe. O que temos que perceber e investigar é em que momento essas técnicas (vigilância, punição, exclusão, repressão, etc.) e procedimentos se tornaram econômica e politicamente interessantes à classe dominante para serem então apropriados por seu discurso, legitimados e legitimando sua dominação global. Teríamos que ver até que ponto essas práticas institucionais, que habitam as extremidades da dominação do poder central, estão relacionadas com esse poder, em que grau estão submetidas a ele, qual sua autonomia real, etc. (Idem, pp. 35-40).
É nas instituições e nas formas de sujeição a discursos de verdade (saberes) produzidos por elas que se deve procurar vislumbrar o movimento do poder. Não se trata de maneira alguma, então, dizer que o poder é algo democraticamente distribuído pela sociedade, pelos diferentes indivíduos. Ele pode não ter uma centro “emanador”, mas sim um centro “apropriador”.
Voltemos então ao texto-manifesto, onde se pode encontrar mais um ponto de encontro entre as idéias de Foucault e a revolta estudantil:
"Os partidários da boêmia no seio dos estudantes (e todos se gabam de o ser um pouco) limitam-se, pois se agarrar a uma versão artificial e degradada do que não passa, e no melhor dos casos, duma medíocre solução individual. Até o desprezo das velhinhas provincianas, por isso, eles merecem. Estes "originais" continuam, trinta anos depois do que fez esse excelente educador da juventude que foi Wilhelm Reich, a ter os comportamentos eróticoamorosos mais tradicionais, reproduzindo as relações genéricas da sociedade de classes nas suas relações intersexuais. (...) Aprova todas as separações, e vai depois gemer para círculos diversos – religiosos, desportivos, políticos ou sindicais – sobre a não-comunicação. É tão burro e tão infeliz que chega espontaneamente e em massa a confiar-se ao controlo para-policial dos psiquiatras e psicólogos, controlo este para seu uso organizado pela vanguarda da opressão moderna e, por conseguinte, aplaudido pelos seus "representantes", que naturalmente nestes Serviços de Apoio Psicológico Universitário (SAPU) vêem uma conquista indispensável e merecida." (Da miséria... pp. 5)
Para além do repúdio à repressão sexual, emblemático daquele momento histórico, vemos também a consciência do exercício do poder e da dominação através da sujeição ao saber clínico das ciências humanas, seu discurso de verdade que estabelece uma relação de dominação entre psicólogos e estudantes/pacientes. Diria Foucault que numa sociedade complexa como a nossa o poder não pode ser exercido sem um discurso de verdade, um saber. A partir do século XVIII em especial, surge uma nova forma de exercício do poder que não mais estava ligada a legitimação da soberania real e da obediência do súdito. Este poder
"(...) permite extrair dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente por vigilância e não de forma descontínua por sistemas de tributos e de obrigações crônicas. É um tipo de poder que pressupõe muito mais uma trama cerrada de coerções materiais do que a existência física de um soberano, e define uma nova economia de poder cujo princípio é o de que se deve ao mesmo tempo fazer que cresçam as forças sujeitas e a força e a eficácia daquilo que as sujeita." (FOUCAULT, op. cit., pp. 42.)
Este novo poder ao qual Foucault se refere é o poder “disciplinar”. Esta “invenção da sociedade burguesa” deturpou todo o discurso jurídico em torno da soberania do monarca, transformando essa soberania em uma soberania do povo, delegada ao Estado. Logo, o poder que emanava do topo disseminou-se pelo corpo social perdendo seu caráter vertical, tornando-se horizontalmente exercido. Os mecanismos de coerção disciplinar que já existiam foram apropriados por esse novo discurso jurídico da soberania do corpo social. A coerção por meio da permanente vigilância e da disciplina, que era contrária a soberania monárquica, encontraram na soberania do Estado – sustentada pelo código jurídico liberal – a legitimidade necessária para o desenvolvimento da “sociedade disciplinar” (Idem, pp. 43-45). Ora, isto tem muito a ver com os anseios de fuga de uma normatização constante da vida social, através das disciplinas e seu discurso de verdade, que defendiam os estudantes franceses da década de 1960. A pressão de que queriam escapar era a pressão disciplinar institucional, a dominação pulverizada nas relações sociais horizontalmente, etc. Qualquer tentativa de fuga dessa normatização dada pelas disciplinas, pelas instituições, pelo saber clínico, era tratada com repressão, exclusão, punição. Desta forma, combatiam o poder disciplinar, os mecanismos que agiam nas extremidades da sociedade e que legitimavam, cotidianamente, a dominação geral.
Conclusão
Antes de mais nada, reconhecemos a limitação deste trabalho quanto a exploração da bibliografia, que poderia ter sido melhor abordada. Mas lembramos que o tema está muito longe de um esgotamento, e que nossa intenção foi apenas de uma aproximação.
Ao fim do trabalho, constatamos, de maneira geral, que as revoltas estudantis de maio de 1968 dificilmente poderiam ter sido vistas por Hobsbawm com maior “otimismo” no calor da hora. Suas categorias de entendimento a respeito das lutas contra e pelo poder pecavam em ver a revolta estudantil enquanto uma rebelião contra noções, saberes e poderes muito bem estabelecidos em nossa sociedade e que têm uma relação estreita, porém não mecânica e automática, com a dominação geral do modo de produção capitalista e da sociedade burguesa. No entanto, escrevendo 30 anos aqueles acontecimentos, o velho historiador marxista reconhece que o que houve foi uma grande revolução cultural, das formas de comportamento, das relações sociais, e que de fato a derrubada do regime fortemente repressivo de De Gaulle deveu muito àqueles revoltosos.
As críticas que apontamos ao autor estão longe de serem críticas de cunho pessoal ou político, porém apenas analíticas. A importância da obra de Hobsbawm para a história dos movimentos sociais e da sociedade contemporânea está fora de qualquer discussão. A renovação historiográfica subseqüente neste campo lhe deve muito.
Seguindo, encontramos no pensamento de Foucault algum tipo de coerência teórico-metodológica que permitiu localizar o autor enquanto um “filho” da década de 1960. Entendemos que seu pensamento, senão explicitamente defendido por aqueles estudantes descontentes e insatisfeitos, fez-se vivo em seu manifesto e em sua prática revolucionária.
Por último, mas não menos importante, acreditamos que as análises marxista e foucaultiana aqui minimamente expostas não se excluem mutuamente. O que percebemos são escolhas e perspectivas diferentes; que na verdade neste trabalho elas apareceram de forma muito complementar.
Bibliografia:
Da miséria no meio estudantil considerada nos seus aspectos econômico, político, sexual e especialmente intelectual e de alguns meios para prevenir (Título original: De la misere en milieu étudiant considérée sous ses aspects économique, politique,sexuel et notamment intellectuel et de quelques moyens d’y remédier. 1ª Ed.: Estrasburgo, 1966) Coimbra: Fenda Edições, 1983.
FOUCAULT, Michel. “Aula de 14 de Janeiro de 1976” in: Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002.
HOBSBAWM, Eric J. Rebeldes Primitivos. Estudos sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
___________________. Tempos interessantes. Uma vida no século XX. São Paulo: Companhia. das Letras, 2002.
THOMPSON, Edward Palmer. A Miséria da Teoria ou um planetário de erros. Uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
_________________________. “Conseqüências e Conclusões” in: Senhores e Caçadores. Col. Oficinas da História nº. 7. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
ZAPPA, Regina; SOTO, Ernesto. “Apresentação” in: 1968. Eles só queriam mudar o mundo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Sobre a desobediência civil
Diante das manifestações de membros da comunidade acadêmica, inclusive de cientistas sociais, desqualificando a estratégia de desobediência civil e ação direta adotada pelos estudantes da Universidade de São Paulo que ocuparam a reitoria, gostaríamos de chamar atenção para alguns pontos.
Os críticos da ocupação enquanto estratégia argumentam que ela fere não apenas o princípio da legalidade, como também a civilidade e o diálogo e que, portanto, trata-se apenas de uma ação violenta, autoritária e criminosa.
As instituições civilizadas que esses críticos defendem, do voto universal para cargos legislativos até os direitos trabalhistas e as leis de proteção ambiental foram frutos de ações diretas, não mediadas pelas instituições democrático-liberais: foram fruto de greves (num momento em que eram ilegais), de ocupações de fábricas, de bloqueios de ruas. Não é possível defender o valor civilizatório destas conquistas que criaram pequenos bolsões de decência num sistema econômico e político injusto e degradante e esquecer das estratégias utilizadas para conquistá-las. Ou será que tais ações só passam a ser meritórias depois de assimiladas pela ordem dominante e quando já são consideradas inócuas?
As ações diretas que desobedecem o poder político não são um mero uso de força por aqueles que não detêm o poder, mas um uso que aspira mais legitimidade que as ações daqueles que controlam os meios legais de violência. Talvez fosse o caso de lembrar, mesmo para os cientistas sociais, que nossas instituições democrático-liberais são instrumentos de um poder que aspira o monopólio do uso legítimo da violência. Há assim, na desobediência civil, uma disputa de legitimidade entre a ação legal daqueles que controlam a violência do poder do estado e a ação daqueles que fazem uso da desobediência reivindicando uma maior justiça dos propósitos.
Os críticos da ocupação da reitoria, em especial aqueles que partilham do mesmo propósito (a defesa da autonomia universitária), podem questionar se a ocupação está conquistando, por meio da sua estratégia, legitimidade junto à comunidade acadêmica e à sociedade civil. Esse é um dilema que todos que escolhem este tipo de estratégia de luta têm que enfrentar e que os ocupantes estão enfrentando. Mas desqualificar a desobediência civil e a ação direta em nome da legalidade e da civilidade das instituições é desaprender o que a história ensinou. Seria necessário também lembrar que mesmo do ponto de vista da legalidade, nossas instituições não vão tão bem?
Independente de como a ocupação da reitoria termine, ela já conseguiu seu propósito principal: fomentar a discussão sobre a autonomia universitária numa comunidade acadêmica que permaneceu apática por meses às agressões do governo estadual e que só acordou com o rompimento da ordem.
Adilson de Oliveira Junior, mestrando em Geografia pela UFF.
Adma Fadul Muhana, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Adriana Benedikt, professora da PUC/RJ
Agnes Fernandes, geográfa pela FFLCH/USP
Albana Azevedo, técnica da UFRJ
Alexandre Fortes, professor do Instituto Multidisciplinar da UFRJ
Allan da Silva Coelho, professor de Filosofia e Epistemologia
Ana Karina Barreiros
Ana Paula Fagundes, bióloga, Grupo Mamangava, Porto Alegre/RS
Andréia Galvão, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Andriei Gutierrez, doutorando no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Angela Kleiman, professora do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP
Angela Lazagna, doutoranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Angela Mendes de Almeilda, professora da UFRRJ
Ângelo Cavalcante, Ciências Sociais PUC/SP
Anita Handfas, professora da Faculdade de Educação da UFRJ
Anselmo Massad, jornalista da revista "Fórum"
Antonia Elizabete Leandro da Silva, Coletivo de Mulheres PSOL/PE
Antonio Carlos Mazzeo, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Alessandro Soares da Silva, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Alexander Maximilian Hilsenbeck Filho, mestre pela Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Alvaro Bianchi, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Ana Carolina Arruda de Toledo Murgel, doutoranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Anthero Vieira
Arley R.Moreno professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Armando Boito, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Anailde Almeida, professora Sociologia UNEB
Baruana Calado dos Santos, graduanda de Ciências Sociais na UEL.
Beatriz Bargieri, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais/SP
Caio N. de Toledo, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Candido Giraldez Vieitez, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Carla Luciana Silva, professora da UNIOESTE
Carla de Medeiros Silva
Carlos Henrique de Campos, produtor cultural
Carlos Leandro Esteves, doutorando pela UFF
Carlito De Campos, produtor Cultural
Cecília Rosas, mestranda na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Celso Fernando Favaretto, professor da Faculdade de Educação da USP
Cilaine Alves Cunha, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Claudete Pagotto, Professora da Fundação Santo André
Claudia Mazzei Nogueira, professora do Centro Sócio Econômico da UFSC
Claudio Reis, doutorando em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Claus Germer, professor do departamento de Economia da UFPR
Crisangêla de Almeida, Estudante de especialização da UEL
Cristina Miranda, Professora do Colégio de Aplicação da UFRJ
Cristiane Maria Cornelia Gottschalk, professora da Faculdade de Educação da USP
Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea, UFF
Daniel Antiqueira, Professor
Daniel Barbosa Andrade de Faria, pós-doutorando do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Daniel de Oliveira, licenciado em História pela FFSD
Daniela do Amaral Alfonsi, menstranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Danilo Enrico Martuscelli, doutorando no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Danilo Ricardo de Oliveira, graduando da UNICAMP
Davisson C. C. de Souza, doutorando na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Delmar Mattes, geólogo
Denis Corcini Cortezao
Dora Isabel Paiva da Costa, professora da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP
Doris Accioly e Silva, professora da Faculdade de Educação da USP
Edith Ramirez
Edilson José Graciolli, professor do departamento de Ciências Sociais da UFU
Eleonora Albano, professora do Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP.
Eleutério Fernando da Silva Prado, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
Erley Maicon
Elizabeth Lorenzotti, jornalista e professora de jornalismo
Eloisa Helena Vieira Maranhão
Fábio Martinelli Casemiro, professor de história e mestrando em Teoria Literária no IEL/UNICAMP
Fábio Pimentel, Mestrando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Felipe Cordeiro da Rocha
Felipe José Lindoso, Antropólogo
Felipe Luiz Gomes e Silva, professor da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP
Fernanda Malafatti Silva Coelho, advogada e professora de Direitos Humanos
Fernando Santos, Sintep-MT
Filipe Raslan, mestrando do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Filippina Chinelli, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Flávio de Castro, cientista político
Flávio Vieiria, membro do DCE/ UFPI
Francisco Antunes Caminati
Francisco de Oliveira, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Francisco Xarão, professor da UFRGS
Gabriel Pereira da Rosa
Geraldo Martins de Azevedo Filho, Movimento Consulta Popular SP
Gilerto Calil, professor da Universidade da UNIOESTE
Giselle Megumi Martino Tanaka, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Givanildo Manoel da Silva
Glaydson José da Silva, pós-doutorando do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Gonçalo Rojas, doutor em Ciência Política pela USP
Heder Sousa, sociólogo
Heloísa Grego, Coordenadora do Instituto Helena Grego de Diretos Humanos e Cidadania
Heloísa Fernandes, professora da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP
Henrique Soares Carneiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Hivy Damasio Araújo Mello, douroranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Homero Santiago, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Hugo Lenzi, socióĺogo e fotógrafo.
Isabel Loureiro, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Istvan Jancso professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP
Ivana Jinkings, editora
Izalene Tiene, professora da UNISAL
Jair Batista da Silva, doutorando no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Jânio Coutinho, mestre em Direito Público
Jânio Roberto Diniz dos Santos, professor da UESB
Jefferson Agostini Mello, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Jesus Carlos de L. Costa, repórter fotográfico.
Jesus Ranieri, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Joana A Coutinho, professora da UFMA
João Adolfo Hansen, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
João Bernardo, escritor e professor
João Henrique Oliveira, mestre pelo Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF
João Quartim Moraes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
João Sette Whitaker Ferreira, Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Joares Marcelo dos Santos Patines, Grupo de Educação Ambiental Mamangava
John Kennedy Ferreira, professor de Sociologia - PMSP
José Arrabal, professor universitário e jornalista
José César de Magalhães Jr, doutorando na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
José Gradel, tradutor
José Renato de Campos Araújo, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
José Rubens Mascarenhas de Almeida, professor da UESB
Jorge Machado, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Júlia de Carvalho Hansen, graduanda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Júlia Gomes e Souza, professora da Universidade Ibirapuera
Júlia Moretto Amâncio, mestranda no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Juliana Sassi, Universidade Metodista de São Paulo
Juliana Vergueiro Gomes Dias
Juliano Gonçalves da Silva, videomaker, professor e mestre em Multimeios/UNICAMP
Kátia Maria Kasper, professora da UFPR.
Laymert Garcia dos Santos, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Leandro de Oliveira Galastri, doutorando no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
Leri Faria Junior, compositor, músico, ator e diretor teatral
Lino João Nevez, professor da UFAM
Lúcia Luiz Pinto, professora da Secretaria Municipal de Saúde do RJ.
Luciano Cavini Martorano, doutorando em ciência política no IUPERJ-RJ
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, professor da PUC-SP
Luiz Alberto Barreto Leite Sanz, professor do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF
Luiz Enrique Vieira, mestrando do Depto. de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Luiz Felipe Bergmann, Auditor Fiscal do Trabalho.
Luiz Gomes Moreira, Professor da UNICRUZ
Luiz Renato Martins, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP
Luiz Roncari, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Luzia Rodriguez, Jornalista Graduada pela ECA/USP
Luziano Pereira Mendes de Lima, professor da UNEAL
Maria das Graças M. Ribeiro, Universidade Federal de Viçosa
Márcio de Carvalho, mestrando em Ciências Sociais da UNESP
Marcella Vianna,,graduanda da UEL
Marcelo Badaró Mattos, professor do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF
Marcia Camargos, Escritora e doutra em História pela USP
Marcio Amendola de Oliveira, coordenador do Instituto Zequinha Barreto
Marcos Barbosa de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da USP
Marcos Del Roio, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Marcos Mitsugui Zaiba Iki
Maria Alice de Paula Santos, professora universitária, educadora do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos
Maria Aparecida dos Santos, Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil
Maria Caramez Carlotto, mestranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Maria Cecília Magalhães, professora da PUC-SP
Maria das Graças Carneiro de Sena, pesquisadora da Embrapa
Maria de Fatima Simoes Francisco, professora da Faculdade de Educação da USP
Maria Marce Moliani, professora do departamento de Educação da UEPG
Maria Socorro Ramos Militão, professora da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais da UFU
Mariana de Oliveira Lopes, mestranda na UNESP
Marisa Brandão, professora do CEFET-RJ
Marta Vieira Caputo, mestranda PPGCOM - UNESP
Marta Maria Chagas de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da USP e da Universidade de Sorocaba
Marta Mourão Kanashiro, doutoranda na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Mauro Iasi, Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
Miguel Yoshida, Mística e Revolução SP
Miriam Abramovay, doutora em educação
Moacir Gigante, professor da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da UNESP
Murilo Silvério Pereira
Nahema de Oliveira, mestranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Nauro José Velho, SINDASPI-SC
Neuza A. S. Mello, Pedagogia UEL
Neusa Maria Dal Ri, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Otília Arantes, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Ozeias Souza, graduando em Geografia na UFES
Pablo Ortellado, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Patrícia Curi Gimeno, mestranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Patricia Tavares de Freitas, mestranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Patrícia Vieira Trópia, professora da Faculdade de Educação da PUC-Campinas
Paula Graciele Rodrigues, mestranda em Ciências Sociais na UNESP
Paula Regina Marcelino, Doutoranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Paulo Eduardo Arantes, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Paulo Sérgio Muçouçah, Sociólogo
Pedro Castro, professor do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF
Pedro Jorge de Freitas, Deartamento de Ciências Sociais da UEM
Pérola de Carvalho, tradutora
Plínio de Arruda Sampaio Júnior., Professor do Instituto de Economia da UNICAMP
Ramon Casas Vilarino, professor PUC/SP
ReinaldoVolpato, cineasta
Renata Belzunces, professora da UNIP e da Faculdade Comunitária de Campinas
Renata Golçalvez, Professora da UEL
Renata Vasconcellos, Videoasta RJ
Ricardo Antunes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMPRicardo Musse, professor da Facualdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Roberto Lehrer, professor da Faculdade de Educação da UFRJ
Rogério Mourtada, artista plástico.
Rosanne Evangelista Dias, professora do Colégio de Aplicação da UFRJ
Rozinaldo Antonio Miane, professor da UEL
Rubens Machado Jr., professor da Escola de Comunicação e Artes da USP
Ruy Braga, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Ruy Lewgoy Luduvice, Graduando em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Sean Purdy, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Sandro Zarpelão, Mestrando em História pela Universidade Estadual de Maringá
Savana Diniz Gomes Melo, doutoranda na Faculdade de Educação da UFMG
Sávio Cavalcante, professor de Sociologia da UEL
Sergio Lessa, professor departamento de filosofia da UFAL
Sérgio Silva, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Silvia Viana Rodrigues, doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Sírio Possenti, professor do Instituto de estudos da Linguagem da UNICAMP
Sonia Lucio Rodrigues de Lima, professora da Escola de Serviço Social da UFF
Soraia Ansara, professora da Faculdade Brasílica de São Paulo
Tatiana de Amorim Maranhão Gomes da Silva, doutoranda na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Tatiana Fonseca Oliveira, doutoranda em sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humamas, da UNICAMP
Tiarajú Pablo D´ Andrea, sociólogo e músico
Vanderlei Elias Nery, Oposição Alternativa - APEOESP.
Vera Lúcia Navarro, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP
Viviane Campezate Diniz
Weslei Venancio, graduando de Ciências Econômicas da UEL
Wylma Mouradian, graduada pela Escola de Comunicação e Artes da USP
domingo, 6 de abril de 2008
As falácias liberais sobre a realidade brasileira
Outra questão pregada pelos liberais, e já citada no texto anterior, é a questão da flexibilização da legislação trabalhista. Com certeza uma legislação de mais de 50 anos contém ''arcaísmos'' e excessos burocráticos, mas a idéia pregada nos grandes meios de comunicação soa mais como mecanismo empresarial de obtenção desenfreada de lucros do que de ganhos aos trabalhadores.
A inexistência de uma legislação trabalhista unificada precarizaria ainda mais a já precária situação dos trabalhadores brasileiros, afinal hoje o país tem uma taxa de desmprego de 9% (isso sem contar os empregos informais) o que constitui uma grande reserva de mão-de-obra que, provavelmente, aceitará trabalhar sobre as situações mais degradantes sem os mínimos direitos básicos de proteção, seja ela previdênciária, de carga horária de trabalho, de garantia em caso de férias ou doenças...Ou seja, em vez de se privilegiar o funcionário mais capacitado, mais produtivo, na maioria vai se valorizar o que aceita trabalhar nas piores circunstâncias, sem a mínima certeza se no dia seguinte continuará empregado, preterindo o que não abrirá mão de seus direitos históricos.
Portanto, não se diminuirá o desemprego, simplesmente trocará um empregado por outro...
A última questão levantada foi a da Educação Superior. Nesse caso além das soluções (ao meu ver) estúpidas, se vê uma mistura de ótica mercadológica e visão distorcida sobre o papel da educação. Foi citado que muitos liberais vêm a Educação Superior como um ''Elefante Branco'', as faculdades federais como inócuas e onerosas.
Essa visão parte de um pressuposto empresarial sobre a educação, de que ela tem de ser simplesmente a produtora de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho e criadora de projetos e mentes que tragam cada vez mais lucro as empresas.
Essa visão não é de toda errada (afinal a educação sem uma base real ou material e sem um propósito de melhoramento da sociedade se torna uma erudição estéril, sem sentido) , mas é uma visão que não abrange a educação em suas possibilidades.
A educação ( e não só a superior) é um meio de crescimento intelectual e cultural (óbvio) e assim é um meio de se formar cidadãos conscientes de seu papel e com senso crítico aguçado, assim capazes de fugir das armadilhas de governantes populistas (mais uma vez usando termos dos liberais) que se valem do assistencialismo barato e eleitoreiro e de falácias.
Uma educação totalmente técnica, onde se ensinaria a simplesmente'' apertar os parafusos'' e gerar lucros para os patrões, tiraria de educação e da Escola seu papel de formadores de cidadãos .
Esse papel da educação também abrange a pesquisa acadêmica, afinal é dentro da Academia que se formam os debates que um dia (mesmo que distante) chegaram as salas de aula dos ensinos médio e do fundamental e dos meios de comunicação.
As falácias liberais sobre a realidade brasileira
O discurso liberal, normalmente, prega a saída do Estado da Economia e dos setores de prestação de serviços à população ( como os setores de telefonia, de transporte e etc.), através da privatização das empresas estatais e da participação maior da iniciativa privada no que um dia foi monopólio estatal, como os já citados setores de telefonia e transporte. Na ótica liberal o Estado ficaria com um papel fiscalizador e de ''policial'' em casos de crise.
Além disso os liberais pregam uma reforma da lesgislação trabalhista, surgida na era Vargas, que claramente prevem supressões de diversos direitos conquistados (como proteção em caso de demissão sem justa causa, a obrigatoriedade do pagamento de férias remuneradas pelos patrões e etc.) argumentando que esses direitos seriam conseguidos individualmente mediantes acordos firmados em contrato. Ou seja, o funcionário barganharia ( e dependendo de sua competência e capacidade) poderia conseguir o que antes era garantido por lei.
Os meios empresarias, através dos já citados grandes meios comunicação, defendem abertamente essa supressão da ''arcaíca'' legislação trabalhista como um meio de combate ao desemprego.
''(...) Agora o presidente resolveu abraçar a idéia de tornar mais difícil demitir. Se for aprovada , os empregadores terão mais medo ainda de criar empregos. ''
Leitão, Miriam. Líder do Atraso. O Globo, RJ, 6 abril 2008. Economia pág. 34.
Os liberais também pregam uma nova organização da Educação no Brasil, com o ensino superior privatizado. Eles alegam que o ensino superior público se constitui como um verdadeiro elefante branco para o já exaurido e falido estado brasileiro (impedindo o investimento nos setores básicos da educação, como o ensino fundamental e médio). Para eles as universidades públicas não produzem ciência útil ao crescimento ( econômico) do país, além de não cumprir seu papel de chave para ascenção social, já que os vestibulares sempre privilegiam os mais favorecidos da sociedade que tiveram acesso a boas escolas e a uma boa educação. Além de reformas em muitos outros setores da sociedade, da política e da economia brasileira, mas sempre com a mesmo tônica de afastamento do estado dos setores e com uma, cada vez maior, participação do setor privado.
Não cabe a mim julgar o posicionamento político de ninguém e muito menos perseguir as convicções alheias, mas essas idéias dos liberais me lembram aquela anedota do indivíduo que sofria de dores de cabeça constantes e para resolvê-las a decepou.
O fortalecimento do Estado ( com sua desburocratização, com o combate a corrupção, com a agilização de suas ações e de seus orgãos) torna possível a realização de seu papel fiscalizador, de ''policial'' em casos de crise ( e não de Estado Guarda Florestal, como diz René Remond), mas principalmente de agente econômico.
A entrada das autarquias e empresas estatais nos negócios e nas prestações de serviços traria concorrência à setores que muitas vezes são vítimas de cartéis e monópolios privados, que acarretam uma precarização do serviço prestado e uma série de abusos e desrespeitos ao consumidor/cidadão. A concorrência das empresas estatais (e até mesmo o monopólio estatal em setores como o de transporte urbano e elétrico) acarretaria um barateamento dos custos e uma melhor prestação de serviços, isso ,claro, necessita de uma fiscalização permanente e independente dos gatos dos impostos.
Isso sem falar no papel do Estado como guardião da ''Ordem'' e da ''Paz Social'', fundamentais para o ''Progresso'' (utilizando termos cunhados pelos liberais).
continua..
sábado, 29 de março de 2008
Sobre a questão urbana
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO
Ante tal realidade, pergunta-se: o que devem fazer esses milhões de pessoas? Ou: o que o leitor faria se estivesse na situação dessas famílias?
A OCUPAÇÃO de terrenos públicos e privados por famílias sem teto é indubitavelmente uma desordem. Ninguém pode gostar disso. Mas, certamente, ninguém gosta menos do que as famílias obrigadas a esse expediente para escapar do barraco à beira de um fétido esgoto, da cama de papelão em baixo do viaduto, da promiscuidade perigosa dos cortiços. Há 620 mil pessoas nessas condições só na Grande São Paulo. A Constituição de 1988 outorgou aos municípios brasileiros faculdades suficientes para uma intervenção eficaz no problema da falta de moradias. Admitindo implicitamente que a causa principal é a especulação imobiliária, o texto constitucional outorgou quatro faculdades específicas aos municípios a fim de aparelhá-los para intervir no mercado imobiliário urbano: facultou o parcelamento compulsório dos terrenos ociosos com pagamento das indenizações mediante títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos; permitiu a construção compulsória em terreno particular; instituiu o usucapião de cinco anos em favor da família que ocupar área urbana de até 250 metros2; e estabeleceu a progressividade do IPTU. Obviamente essas regras seriam desnecessárias se a especulação não campeasse solta. Mas elas não adiantaram grande coisa. Prefeitos e vereadores não têm coragem de aplicá-la; a legislação ordinária regulamentadora do preceito contribuiu mais para dificultar sua aplicação do que para torná-la expedita; e o Judiciário, sem dizer, se encarregou de revogá-la, caso a caso, sempre que sua aplicação ferisse o interesse do capital imobiliário. Os governos preferem jogar dinheiro na construção de casas, medida que sabem não resolver o problema. Mas, a crer nos multicoloridos "folders", sempre repletos de fotografias dos prédios construídos e de beneficiários agradecidos e benfeitores generosos, o problema já está resolvido. A realidade, porém, é muito outra: 2,3 milhões de famílias moram em casas inadequadas, o que inclui habitações em situação de risco, sem instalações sanitárias, sem nenhum tipo de infra-estrutura urbana. Somando todos os programas de moradia e ajustando o ritmo da construção ao ritmo do crescimento das cidades, o problema não será resolvido em menos de 20 anos. Enquanto isso, estatísticas oficiais registram 6,7 milhões de domicílios vazios no Brasil -clara evidência de que a solução não está apenas nos programas de construção de casas populares. Sempre que a falta de moradia ocasiona alguma catástrofe -o que, de resto, ocorre com muita freqüência-, a mídia faz piedosas reportagens sobre o assunto, evitando cuidadosamente abordar o cerne do problema: a especulação imobiliária e a regressividade da tributação da terra urbana. Ante essa realidade, pergunta-se: o que devem fazer esses milhões de pessoas? Ou: o que o leitor faria se estivesse na situação dessas famílias? A maioria dos mal-alojados prefere esperar que um governante de "bom coração" ou algum político interessado no seu voto resolva o problema. Porém, há, no meio dessa massa, uma pequena parcela que, conscientizada por grupos políticos sérios, decidiu agir: organizou-se em um movimento e passou a fazer ocupações de terrenos vazios. Essas entidades estão fazendo manifestações de protesto em nove Estados do país. A cidadania precisa apoiá-las, quando mais não seja, defendendo a legitimidade desses protestos em seus círculos de convivência. Só isso ajudaria muito, pois a opinião pública favorável inibe a repressão. A ocupação de terras é forma legítima de afirmação de direitos numa sociedade que não estabelece mecanismos civilizados para que as pessoas possam ver tais direitos assegurados e na qual nem o governo nem a sociedade se importam com a sorte dos sem-teto. É porque tomaram consciência disso que esses sem-teto se sujeitam às bombas de efeito moral, ao gás lacrimogêneo, às balas de borracha, à vida (sem água e sem instalações sanitárias) numa barraca de plástico. Obviamente, entre fazer alguma coisa para ajudar a resolver o problema e não fazer nada, a atitude mais cômoda é inegavelmente a segunda, pois a polícia acabará retirando os ocupantes e, portanto, a "ordem" voltará a prevalecer. Há nessa atitude, contudo, um terrível equívoco: ao "tirar" os ocupantes, a polícia não faz senão gerar mais ocupantes. E vai continuar "tirando" e "gerando" até o dia em que não conseguir mais "tirar" ninguém. Aí...
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO , 77, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
poeminhas para a galera
lamenta-se o vivente
A vida é como foiçe
que ceifa impiedosamente
Diante da pálida noite
conforma-se o vivente
A vida é como açoite
que fere inexoravelmente
Sobretudo um tormento
revela-se a existência
Instante de vã consciência
perdido no imenso firmamento
Somente no túmulo aguarda
o desfecho de tal imensa agonia
No ato de não mais respirar
encontra-se o eterno sossego
--------
A Madrugada
Taciturno e breve é o instante
das trevas que precedem a aurora.
Admirável momento que faz cessar
o agonizante ritmo da vida mundana.
Apagam-se as chamas e os filamentos
dos tristes inventos que ferem os olhos.
Acende-se, porém, a agradável chama
da consciência e das emoções humanas.
A madrugada é, sobretudo,
instante de introspeção do solitário.
Momento distante de toda a escravidão
imposta pela inexorável trajetória solar.
Que durassem para sempre as trevas,
que iluminam tanto o espírito humano.
-------
O coveiro
Controverso ofício
seus amores
suas dores
seus temores
Sepulto tudo com a minha pá
Minha vida depende da morte
que paradoxo
Quanto mais mortos
mais labor para o meu corpo
O descanso eterno é
o motivo da minha eterna fadiga
Continuo enterrando tudo
com a minha pá
pedaços de carne
ossos
e sentimentos
--------
Nada como andar por aí
sem rumo
sem destino
sem pressa
Andar por aí sem importar-se
com o insano ritmo dos relógios
Andar por aí à toa
sem nenhum objetivo
sem nenhum propósito
sem nenhuma explicação
A caminhada é um convite
para a reflexão despreocupada.
A ausência de preocupações
consiste na mais bela virtude
O espírito humano perde-se
na louca agitação da vida mundana.
A vida passa a ser ditada
ao invés de simplesmente ser vivida.
A simples atitude de internalizar essa noção
com assombrosa e inacreditável naturalidade
demonstra a mais completa perda da liberdade.
---------
Como córrego que não mais flui
Como árvore que não mais produz frutos
Minha vida é vazia como meus olhos
Minha alma é vazia como meu mundo
Mais doce é a tristeza verdadeira
do que a amargura da felicidade ilusória
Melhor ter consciência do vazio da existência
do que tentar preenchê-lo inutilmente
A vida é como um pequeno feixe de terra
perdido em um vasto oceano
A humanidade é uma mera coincidência
perdida em uma existência imensurável
Desafortunado sou por ter consciência do vazio
Vazio que já conhecia antes do primeiro suspiro
que conhecerei novamente depois do último
E que nada posso fazer para preenchê-lo
--------------
Felicidade
Seria a felicidade
uma ilha perdida
em um infinito mar
de lágrimas ?
Seria a felicidade
uma rainha de um reino
esquecido e cercado
por uma infinita floresta ?
Talvez a felicidade
seja um devaneio
um mal necessário
para sustentar nossa
vazia e desprezível existência
------------
Sobretudo revela-se interminável,
tua dolorosa e triste ausência.
Os dias são vazios e as noites são eternas,
enquanto permaneces tão distante fisicamente.
Mas no íntimo de minha perturbada alma,
tua presença é ainda assim constante.
Quantos crepúsculos devo ainda esperar ?
Quantas auroras mais preciso lamentar ?
Diante de tanto vazio e sofrimento
move-me a esperança de um dia revê-la.
Fogo que acende minha existência,
é sobretudo a tua amada pessoa.
Presenteia-me logo com tua presença
ò querida dama, com o calor de teu corpo.
Para que juntos possamos desfrutar
cada momento de nosso sincero amor
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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Confusão ideológica
Reversão Publicitária
Além da já mencionada invasão na nossa vida cotidiana, a publicidade também deve ser analisada através dos seus efeitos psicológicos. A propaganda sugere que a aquisição da mercadoria possui um papel fundamental para a construção da felicidade humana. O produto anunciado é visto como importante ferramenta para obtenção dessa felicidade, imediatamente caindo no esquecimento e na banalidade após ser adquirido. Dessa maneira, há um contínuo empobrecimento da noção de felicidade humana, que passa ser reduzida puramente ao escopo material da vida. A idéia de felicidade foca-se na aquisição. Até mesmo os elementos originalmente não-relacionados à idéia de mercadoria passam a ser englobados dentro dessa lógica, tais como o amor, a amizade e o conhecimento.
Que fazer diante desse quadro lamentável ? A Reversão Publicitária. Em que consiste isso ? Consiste no esclarecimento do espectador ao quão ridículos são os apelos da publicidade. Não através de uma atitude dogmática, ideológica ou mecânica, mas sim de uma forma a fazer o próprio espectador reconhecer o seu papel como engrenagem dentro desse jogo publicitário, negando-se a continuar exercendo tal papel. Consiste na explicitação máxima da intenção do anunciante, negando-lhe todo o mérito de criatividade ou boa intenção que normalmente lhe é atribuído. A propaganda consiste simplesmente no elogio proposital da própria mercadoria, cuja única intenção é justamente fomentar o consumo do supérfluo. Na atual sociedade, de uma maneira inversa a situação original, o consumidor é uma demanda da mercadoria. A lei da oferta e da procura transplanta-se do produto para o consumidor.
Cabe a nós somente tentar reverter esse quadro. Fica aqui o apelo à consciência individual e o posterior consenso coletivo de se explicitar o ridículo da publicidade, neutralizando os seus efeitos e libertando-nos de uma amarra mental muito presente na vida contemporânea.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
Platoon
O filme, escrito e dirigido por Oliver Stone, se passa em 1967 e 1968 e mostra o dia-a-dia de um batalhão de infantaria na Guerra do Vietnã (1965 – 1975), as emboscadas dos Vietcongues, a “política” do batalhão, a desilusão da soldadesca e etc. O personagem principal do filme é um recruta chamado Chris Taylor, que imbuído pela idéia de defender o país abandona a faculdade e se alista voluntariamente para lutar no Vietnã. Mas ao chegar ao campo de combate ele vê que a realidade é muito mais dura do que ele poderia supor, além da constante ameaça das emboscadas vitecongues, havia a exaustão física, as intempéries do clima e da natureza tropical e, principalmente, o desprezo pela vida dos novatos entre os veteranos de guerra no Vietnã. As cartas que Taylor escreve à avó são usadas por Stone como uma espécie de narrador dos medos, da desilusão e do desânimo físico e moral do soldado Taylor, que no fim das contas era o medo, a desilusão e o desânimo de todos os recrutas do Vietnã.
O filme acaba retratando como o clima de insensatez e insanidade da Guerra do Vitenã (melhor retratado no clássico Apocalypse now) leva os soldados a se dividirem entre os “idealistas” ou “pacifistas” ou os que gostam da guerra e de seu clima de “liberdade”. Os primeiros, diante do inferno da guerra, passam o tempo de serviço contando os dias para sua dispensa (conseguida após 1 ano de serviço), preferem não pensar na guerra em si, simplesmente atiram e cumprem ordens e acabam encontrando refúgio nas drogas e no álcool. Esse tipo é representado pelo Soldado King. Os segundos gostam do clima de impunidade da guerra. Stone mostra que muitos desses indivíduos são frustrados socialmente ( a maioria só estudou até a sexta série e estão fadados a uma vida medíocre e de pobreza) e ao chegar à Guerra se tornam patológicos. Eles acabam se tornando assassinos quase que compulsivos, pessoas insensíveis diante do sofrimento humano, psicopatas em potencial. Esse tipo é representado pelo Soldado Bunny
A “guerra civil” dentro do Batalhão entre sgt. Elias e o sgt. Barnes pode ser encarado como uma alegoria da luta interna dos soldados divididos entre os preceitos de amor ao próximo, compaixão, perdão e etc. , ensinados pelos pais, pelas igrejas, pelas escolas, e a realidade da Guerra, onde esses sentimentos têm cada vez menos espaço. Taylor (assim como a maioria dos soldados) se vê dividido entre os oficiais citados e ora tem arroubos de crueldade ora pratica atos de altruísmo, como salvar uma vietnamita de um estupro.
O filme vale a pena de ser visto, já que além da direção e de atuações ótimas, relata um dos períodos mais conturbados e complexos dos EUA de maneira crítica e humana, sem ufanismos ou proselitismos de esquerda ou de direita. Mesmo sem ser o melhor filme sobre o período, ao mostrar o conflito interno entre o “soldado” e o “homem” Platoon se tornou um clássico do cinema. Ao mostrar a guerra (e suas conseqüências sociais e psicológicas ) de maneira direta Stone cumpre a função de um veterano da Guerra do Vietnã, que nas palavras finais de Taylor são “nunca deixar que essa história caía no esquecimento” .
domingo, 28 de outubro de 2007
Antes de tudo, é necessário que se diga que a ação do policial não pode ser considerada errada ou digna de punição,já que a ação não acarretou ferimento ou morte de vítima inocente e o policial mesmo quando não se encontra em serviço continua imbuído de suas obrigações de defender a lei.Talvez a única ressalva que se faça seja ao fato de o policial reagir a um assalto em local fechado e com um grande número de pessoas,o que poderia acarretar em uma tragédia com a morte de inocentes.
O que se torna incômodo nesse caso é a cobertura que parte da imprensa deu ao caso.Quiseram usar esse caso como o exemplo do que eles acreditam ser um efetivo combate a violência,ou seja,uma política de segurança pública baseada na matança,na tortura e no total desrespeito aos direitos humanos.Certos comunicadores vendem o sonho de uma polícia ''justiceira'',impetuosa no melhor estilo ''Tropa de Elite'' a um grande números de telespectadores, que muitas vezes se esquecem dos interesses(financeiros,políticos e etc.)por trás da mídia e absorvem aquela informação como uma ''verdade absoluta e inegavél'' .
Pelo Jeito, os citados comunicadores( seus fiéis e inocentes telespectadores e o cidadão ''senso-comum'') não perceberam que a política de segurança pública baseada no enfrentamento e na matança já vem sendo implementada há vários anos,com resultados extremamente negativos.O maior exemplo do fracasso dessa política é o estado do Rio de Janeiro que possuí a polícia mais ''impetuosa''do Brasil,e portanto possuí um incrível número de mortos pela polícia,mas não consegue diminuir seus indíces de violência ou diminuir a sensação de insegurança da população.
Tanto os comunicadores quanto o cidadão ''senso-comum''ignoram o que é obvio e se prendem uma idéia de personificação da violência na figura do bandido e se iludindo com a idéia de que a extinção do criminoso(s)leva a automática extinção da violência.
domingo, 14 de outubro de 2007
A réplica "narcoliberal"
Demóstenes simplifica a questão ao encarar os "narcoliberais" como um bloco homogêneo, integralmente adepto da teoria do "libera-geral". Dentro do movimento pela liberação das drogas há uma grande diversidade de opiniões, muitas vezes conflitantes. Liberar que tipo de drogas ? De uma maneira gradual ou instantânea ? Quais estabelecimentos receberiam autorização para exercer tal comércio ? Tamanha simplificação ignora completamente o amplo debate existente entre os indivíduos que advogam a liberalização das drogas, assim como suas controvérsias.
Fazendo um paralelo com a publicidade do álcool e do tabaco, o autor faz piada acerca da sup0sta publicidade ridícula que surgiria após a legalização do comércio de entorpecentes ("Haveria a maconha da boa? A cocaína que desce redondo? O crack que satisfaz?"). A publicidade já é ridícula em sua essência, já que consiste em uma mera tentativa de despertar sentimentos que levem o espectador a consumir tal produto, independente das suas consequências. Os mercados de bebidas alcoólicas e de cigarros nada diferem dos mercados de outros produtos quaisquer, exceto na questão moral envolvida. Questão, aliás, que parece reger o argumento do senador. Tratando-se do caráter absoluto da moral, não existe relativização, logo, não existe o debate e a troca de idéias.
A questão da saúde também é abordada em seu artigo. Demóstenes calcula que a liberalização imediata das drogas geraria imensos problemas relacionados com o sistema de saúde pública. Tal idéia consiste em uma hipótese que novamente não leva em consideração o tipo de debate existente entre os defensores da liberalização das drogas. Também não leva em consideração as diferenças existentes entre a grande variedade de tipos de droga, que afetam o funcionamento do organismo de maneiras completamente distintas. Argumenta que o sistema de saúde é ineficiente e que a legalização só iria piorar tal quadro. Ora, trata-se de uma hipótese. Hipótese, porém, que é tratada pelo autor como verdade absoluta e inconstestável, sem nenhuma demonstração de dados.
O artigo realiza uma extrema simplificação dos fatos, que empobrece ainda mais o debate existente acerca dessa polêmica questão. O assunto das drogas permanece sendo um tabu, sendo discussões sobre tal assunto consideradas ridículas ou desprovidas de sentido. Tal postura entra em contradição até mesmo com o nome assumido pelo partido do referido senador. O debate democrático parece inexistir para Demóstenes Torres, sendo a liberalização das drogas uma coisa absurda e impensável, assim como a sua reflexão completamente desnecessária e obrigatóriamente infrutífera.
domingo, 7 de outubro de 2007
Revista VEJA e Che Guevara
Guevara após sua morte tornou-se um mito. A idealização erguida em torno da sua figura foi uma consequência do processo de romantização das lutas revolucionária das décadas de 60-70. Milhões de jovens por todo o mundo vestiram camisas com sua imagem, muitas vezes sem possuir o menor conhecimento à respeito dos eventos ocorridos em Cuba em 1959. A figura do revolucionário, a partir daí, esteve sempre muito ligada à insatisfação típica da juventude. Muitas vezes o ato de vestir a camisa com a imagem do revolucionário consistia muito mais em uma simples demonstração de rebeldia infundada do que de admiração à pessoa em si.
A reportagem de VEJA tenta desconstruir essa imagem mítica do revolucionário. Uma tentativa justa e legítima, tratando-se VEJA de uma revista de interesse geral. O erro consiste no tipo de abordagem utilizada para realizar tal desconstrução: o destaque de aspectos negativos da sua personalidade, baseada em depoimentos de militares bolivianos e agentes da CIA infiltrados. A partir daí, conclui VEJA tratar-se Che de um sujeito arrogante, sedento por sangue, malcheiroso, maníaco, paranóico, e mais um rol de adjetivos que parecem descrever a figura do próprio Satanás. Essa abordagem extremamente simplista e maniqueísta soa como ridícula, rebaixando o nível do jornalismo de VEJA a um patamar subterrâneo.
Tal atitude demonstra descaradamente a linha ideológica da revista, sempre orgulhosa de sua suposta imparcialidade. Erros e reportagens ruins existem por toda parte. O que realmente é incômodo é o fato de uma revista como essa ser reconhecida como a mais importante e influente revista semanal do Brasil, sendo considerada leitura obrigatória para qualquer cidadão desejoso de estar "antenado" diante das questões nacionais. Isso soa como ofensa ao bom senso. Dentro do meio jornalístico, VEJA é vista como piada: dedicam-se aulas inteiras de faculdades de Jornalismo para apontar os gritantes deslizes cometidos por VEJA.
Che de fato pode ter sido de fato arrogante, sedento por sangue, malcheiroso, maníaco e paranóico. Mas seria um ato de extrema ignorância negar a sua importância no processo histórico do Século XX. A tentativa de VEJA é atirar a figura de Che ao ostracismo, relegando-o a um mero acidente ocorrido na história de Cuba. Acentuar as características pessoais de um personagem histórico consiste em uma tentativa atrair o interesse superficial da maioria das pessoas pelo assunto, rebaixando a história a uma mera coleção de perfis biográfico de um rol de indivíduos . A VEJA comete uma ofensa à disciplina histórica ao realizar uma reportagem tão patética e desprovida de senso jornalístico.
A idealização em torno da figura de Che Guevara é um terreno fértil para inúmeras reflexões e discussões que possuem uma grande probabilidade de serem produtivas. A reportagem não conseguiu atender a essas expectativas. Eis a explicação de seu sucesso: a ausência de reflexões mais bem elaboradas e a simplificação dos fatos, assumindo a revista um caráter de panfleto. Poderemos esperar nos próximos meses a diminuição do uso de camisas de Che Guevara, devido à influência da revista nos setores que se auto-intitulam formadores de opinião. Enquanto isso, os acadêmicos permanecem encastelados, indiferentes a toda essa maré de opiniões que percorre a sociedade dos meros mortais.
sábado, 29 de setembro de 2007
Deus e o Diabo na Terra do Sol
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) é um excelente filme, que trata da história de um trabalhador rural que se vê obrigado a fugir pelo sertão após assassinar seu patrão em decorrência de uma briga. O filme canaliza bem a aura do Cinema Novo, da tentativa de construção de uma identidade brasileira através da imagem do homem simples, rural e bucólico, distante do capitalismo urbano e das rápidas transformações que afetavam o restante da sociedade naquele momento. Ao mesmo tempo,retrata a opressão sofrida pela população rural pobre do sertão nordestino, assim como aspectos de sua cultura, como o forte componente religioso milenarista e o conflito entre os cangaceiros e seus antagonistas, os "matadô".
O ponto forte do filme está na sua trilha sonora, composta por Glauber Rocha e Sérgio Ricardo, construída de uma maneira completamente ligada com desenrolar da história. O resultado dessa interação entre filme etrilha sonora torna "Deus e o Diabo na Terra do Sol" um filme extremamente poético e altamente valorizado do ponto de vista artístico. As letras retratam a desolação do trabalhador sertanejo, que vê somente na intervenção divina uma salvação para a sua situação de penúria. Porém, tal invervenção não fica somente no terreno das idéias, já que ao mesmo tempo essa esperança religiosa incita o homem à "preparar o terreno" para a ação dos céus, combatendo as injustiças e denunciando os abusos dos patrões. Esse milenarismo é muito bem retratado na figura sinistra do personagem Santo Sebastião, religioso com um forte caráter "místico", que é obstinado com a libertação de seu povo e o fim da desigualdade entre os homens do campo.
Além disso, o filme também é marcado pela profundidade de seus personagens. Todos eles possuem uma forte carga simbólica, cada um representando um aspecto importante da cultura brasileira, sem que haja uma definição estrita, cabendo ao espectador realizar suas próprias reflexões acerca do que o filme tenta retratar.
É um bom filme, extremamente simples do ponto de vista técnico, porém muito rico em aspectos poéticos, humanos e políticos. O interessante é refletir que após 43 anos ele poderia retratar a situação quase da mesma maneira.
Tropa do senso comum
Primeiramente é preciso que se diga que o flime é muito bem feito,dirigido ,conta com ótimos atores e com uma primorosa produção,que torna o filme mais real e impactante.Além disso o filme acaba levantando debates, que a sociedade brasileira a muito tempo vem fugindo,como a legalização das drogas,a estrutura e a corrupção da polícia,o papel das classes altas no tráfico de drogas e etc..Mas tudo isso acaba ficando em segundo plano diante das reações de amor e ódio em relação ao filme.
O filme gira em torno dos policiais do BOPE,e dos aspirantes a entrarem no citado,que no combate aos criminosos não ''pensam duas vezes''em lancar mão de torturas contra moradores de comunidades carentes(criminosos ou não) e culpar as classes média e altas,consumidoras de entorpecentes,pela violência na cidade.Obviamente, as classes abastadas têm responsabilidade na situação da segurança pública no país(e não somente no que tange o consumo de drogas),mas reduzir o tráfico de drogas - que é uma sofisticada rede internacional de comércio ilícito,que compreende outras redes de corrupção em todas as esferas do poder,lavagem de dinheiro,tráfico de influência e tráfico de armas-em uma relação binária de compra e venda de drogas em uma favela é tentar ''simplificar''uma questão complexa.
Com certeza,uma das razões de todo o ''amor''pelo filme pode ser creditado a figura do policial pertencente a tropa de elite da Polícia Militar.Os policiais do BOPE são retratados como incorruptíveis ,impetuosos,corajosos e utilizando métodos que violam as leis e os Direitos Humanos para conseguir seus objeitvos.Em uma sociedade onde o ''senso comum''(comungado tanto pelas classes dominantes, econômica e politicamente, quanto pelas camadas baixas,que sem sombra de dúvida são as que mais sofrem com as ações da polícia) cada vez mais caracteriza os Direitos Humanos como coisa para bandido e defende uma política de segurança pública baseada na matança e no desrespeito as leis ,a imagem construída do oficial do BOPE(que claramente lembra a imagem do poilicial americano construida pelos filmes de ação) surge como um exemplo a ser seguido e suas ações como o verdadeiro combate ao crime.
Tudo esses pensamentos e desejos do ''senso comum'',em relação à política de seguranção pública e as ações da polícia,pode ser extremamente prejudicial,já que se corre o risco de ser adotada um verdadeiro e eterno ''estado de sítio'',com a vida dos integrantes dos cidadãos,principalmente das classes baixas,cada vez mais a mercê do ''bom-humor''e da compreensão dos agentes da lei.Além de tirar o foco da discussão sobre as questões estrturais do violência,como a o papel de integrantes das classes altas como administradores das citadas redes que compõe o tráfico de drogas e a situação de desigualdade e injustiçã que reina no país.
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
Mídia, mídia novamente
Após a invenção da televisão, o rádio torna-se "obsoleto". O advento da imagem combinada com som torna-se um grande atrativo entre as classes mais altas. Com a modernização da economia, o aparelho difunde-se também entre os setores mais pobres, onde vem a exercer uma influência cada vez maior. O "culto da imagem" foi o responsável pela decadência do rádio, já que a exibição de imagens diminui o "trabalho mental" do indivíduo, aumentando a sensação de relaxamento e entretenimento provocado pelo uso da televisão em relação ao do rádio.
Entre os estratos sociais mais baixos, a manutenção do hábito da leitura é extremamente custosa, sendo esse o maior desestímulo a essa atividade. A televisão, ao contrário, apenas requer um investimento inicial, excluindo-se evidentemente os custos relativos à energia elétrica. O difusão da televisão entre as camadas populares revela-se um método relativamente barato de entretenimento doméstico que pode ser desfrutado por toda a família, diferentemente da leitura que é por sua essência uma atividade individual.
No bojo dessa transformação radical da vida doméstica do cidadão do século XX, o capital insere-se de uma maneira impactante dentro desse contexto, através da sua paradoxal expressão maior: a propaganda, a mercadoria que constrói-se em torno da mercadoria. A publicidade rapidamente torna-se a "galinha dos ovos de ouro" da televisão. Inicialmente tímida e restrita, a propaganda televisiva cresce e torna-se mais importante que o própria programação dos canais de televisão. A duração dos intervalos comerciais cresce de uma forma exponencial, algumas vezes atingindo a situação surreal: a superação do tempo do conteúdo pelo tempo da publicidade.
O mercado em torno da publicidade torna-se um grande negócio, sendo a capacidade de iludir e convencer o espectador considerada grande vocação digna de ser remunerada por grandes somas de dinheiro. A televisão transforma-se em um catálogo de produtos dos mais variados usos. O mais irônico disso consiste no fato da maior parte dos espectadores serem oriundos da população pobre, enquanto os anúncios nem sempre seguem essa lógica.
As telenovelas, assim como os seriados, tornam-se os maiores meios de publicidade. Ao invés de restringirem-se ao anúncio de um único produto, eles vendem um estilo de vida, que como dito anteriormente, nem sempre coincide com a situação econômica da sua audiência. A população pobre, já massacrada pela sua labuta cotidiana, ao invés de procurar alternativas que lhe retirem dessa condição (como por exemplo a educação), ilude-se adquirindo produtos de utilidade duvidosa, influenciada pela propaganda televisiva. O consumismo exacerbado torna-se quase uma virtude, sendo exaltado ao mesmo tempo que seus antagonistas passam a ser encarados como aberrações sociais.
As funções sociais e educacionais das concessões de televisão, previstas na Constituição, tornam-se vagas lembranças. O espaço de tempo dedicado à programação engloba o jornalismo medíocre, as telenovelas desprovidas de qualquer profundidade artística e os programas absurdos de "auto-contemplação da programação", que dedicam-se ao culto de artistas e suas supostas vidas glamourosas. A perspectiva de uma televisão governamental, a ser inaugurada ainda neste mandato, desperta alguma esperança de uma luz no fim do túnel. Mas essa luz rapidamente se ofusca ao imaginar uma televisão estatal que contemple somente o "espetáculo do Estado".
sábado, 1 de setembro de 2007
Reacionarismos
A partir daí, compreende-se que esse comportamento originalmente institivo se manifesta nas camadas mais altas do cérebro humano. O reacionarismo é um comportamento plenamente compreensível e comum a todos nós, de uma maneira ou de outra. Desde o século XIX, quando as revoltas em sua grande maioria passaram a adquirir um caráter puramente político, não ligado sendo mais dependentes de "superestruturas revolucionárias", a designação de reacionário passa a ser cada vez mais utilizada no vocabulário político. Com a explosão da consciência político-social nas grandes massas, o termo passa a definir todos aqueles que antagonizavam conscientemente contra a iminente revolução social, assim como para definir também aqueles que defendiam os valores que regiam a lógica desse grupo, como o cristianismo, o ideal de família, o machismo, etc.
Nos dias de hoje, apesar da falha do socialismo real, o termo persiste e seu uso difunde-se cada vez mais dentro da intelectualidade. Possui um aspecto pejorativo principalmente devido à "romantização" da luta revolucionária, que moldou o ideário político brasileiros nas décadas de 60-70. Até mesmo aqueles que possuem posições políticas mais conservadoras não se vêem como reacionários, ao passo de que aqueles que possuem posições políticas mais libertárias orgulham-se de exibir o título auto-proclamado de revolucionário.
Assumir-se reacionário é sobretudo uma atitude de coragem. O reacionário que de fato marca suas posições e está aberto ao diálogo e ao debate de opiniões é uma figura fundamental dentro de qualquer sociedade dita civilizada e democrática. A existência de reacionários não deve ser vista como um câncer que assola corpo social, ao contrário do que afirmam aqueles que se julgam os sumos-sacerdotes da revolução humana.
A troca de idéias é um dos aspectos mais importantes da vida humana. A complexidade da mente de cada indivíduo e a capacidade de externalizar isso tudo é uma das nossas principais diferenças em relação aos outros animais. O debate construtivo é o alicerce do "progresso", independente da atribuição do termo. O intelectual imerso em seus próprios livros, distante da discussão e do debate, é como um uma bela casa construída para não ser habitada: falta-lhe um componente para lhe dar sentido.
O reacionarismo destrutivo seria aquele cujos adeptos não se reconheceriam como tal, e tratariam suas convicções socio-econômicas como verdade absoluta e incontestável, devendo sua vontade prevalecer de maneira suprema e toda a oposição ser aniquilada. A contradição consiste no fato de que muitos que se julgam os maiores combatentes do reacionarismo se encaixam dentro dessa descrição. Advogar pela resistência às mudanças não está limitado somente ao aspecto da realidade externa, mas também se manifesta dentro da realidade interna da mente do homem. Todo invidívuo que recusa a repensar suas próprias idéias e abrir mão de seus dogmas é um reacionário, seja ele defensor da privatização ou da estatização absoluta de todos o setor de saúde. Nessa questão especificamente, o aspecto político-ecônomico que Marx tanto enfatizava ser a base da sociedade pode acabar sendo uma "superestrutura" diante da aversão à mudanças da própria mente do indivíduo. Cabe a nós refletir e tentar chegar a uma conclusão, que certamente jamais será alcançada, por que assim como na história da humanidade, a mudança é uma constante dentro das nossas concepções de idéias e de mundo.
Pedro