A capa da revista Veja da última semana (10 de maio) teve como tema a parcela gay da atual juventude. Ao assumirem cada vez mais cedo sua opção sexual, encontram cada vez menos resistência por parte dos próprios pais e até mesmo de alguns amigos e colegas. Entretanto, a reportagem da revista, embora travestida de uma aparente roupagem progressista, mais uma vez deixa implícito o reacionarismo de seus editores, assim como o preconceito a qualquer tipo de mobilização social.
Ao final da reportagem, após descrever a situação de diversos adolescentes homossexuais que se assumiram desde cedo, a revista conclui a reportagem com um raciocínio que, apesar de partir de um pressuposto correto, acaba desprezando de uma forma extremamente preconceituosa todo o esforço de uma geração de gays que lutou para que a homossexualidade hoje em dia seja relativamente aceita.
Tal conclusão era essencialmente a seguinte: hoje em dia, o jovem gay não relaciona a sua opção sexual necessariamente a uma causa a ser defendida, encarando a sua homossexualidade apenas como mais um dos traços de sua personalidade. Até aí nada demais, trata-se apenas de uma constatação embasada na observação cotidiana. Entretanto, ao tratar das antigas lutas do movimento gay, cujo apogeu foi em meados da década de 1970 nos Estados Unidos, a revista refere-se aos ativistas como militantes, estando essa segunda palavra entre aspas, como se fosse alguma coisa exótica e jocosa, reafirmando mais uma vez o desprezo de seus editores por qualquer tipo de mobilização social.
Ora, se hoje em dia o jovem gay goza de uma situação relativamente favorável no que diz respeito à aceitação social de sua opção sexual, isso não se deu simplesmente a uma mudança mágica na mentalidade da sociedade. Hoje em dia isso é possível justamente devido aos esforços de uma geração que se engajou ativamente na luta contra o preconceito em relação aos homossexuais, inclusive sofrendo diversas violências físicas e psicológicas. É essencialmente o mesmo que dizer que os direitos trabalhistas foram adquiridos magicamente, ao invés de ser devido a toda uma história de luta dos trabalhadores, que gradualmente foram conquistando tais direitos, sendo reprimidos duramente na maior parte das vezes.
De fato existe um “apoliticismo” por parte da juventude gay da atualidade. Constato isso empiricamente, uma vez que muitos de meus amigos são gays justamente dessa faixa etária. Eu particularmente considero isso algo lamentável, devido às minhas próprias convicções ideológicas de que é absolutamente necessário as minorias oprimidas organizarem-se em movimentos políticos, sem perderem de vista a dimensão maior da luta contra a opressão de uma maneira geral, em todas suas modalidades. Trata-se, evidentemente, de uma visão de mundo de esquerda. Tal visão, obviamente, não pode ser exigida de uma revista como Veja, notória pela sua adesão simplista aos ideais neoconservadores que ganharam força após a destruição do Muro de Berlim.
Entretanto, ao omitir a importância das lutas do movimento gay das décadas passadas, a revista presta um desserviço aos homossexuais e aos heterossexuais favoráveis ao fim do preconceito relativo à opção sexual. Ao tratar a homossexualidade apenas como uma mera opção individual desligada de uma realidade mais ampla, quase como o direito de consumidor individual adquirir um determinado produto, a revista reitera o seu desprezo por qualquer tipo de mobilização social.
Isso é particularmente perigoso. Uma vez que defesa ativa do direito de ser livre para exercer sua opção sexual se transforma em uma mera opção individual de classe média desligada de um contexto maior, a causa gay corre o risco de se enfraquecer e acabar desaparecendo. Isso não seria nada bom para os homossexuais, uma vez que atualmente pode-se perceber na sociedade em alguns setores um recrudescimento muito forte do pensamento conservador de cunho moralista, representado pela Igreja Católica e pelas mais diversas denominações protestantes, algumas que crescem em uma velocidades assustadoras, tanto em número de fiéis, quanto em poder econômico. O exemplo mais emblemático é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, dona de uma dos maiores canais televisivos e que em suas pregações associa o exercício da homossexualidade a algum tipo de doença causada por uma misteriosa influência demoníaca.
Diante de antagonistas cada vez mais influentes, isso não impede o surgimento futuro de alguma nova onda de preconceito contra os homossexuais. É por isso que o movimento gay desse estar organizado e pronto para defender-se de ataques. Basta lembrar os reincidentes casos de violência sofridos por diversos homossexuais (inclusive lésbicas que foram estupradas) em comunidades pobres dominadas por traficantes de drogas ou milícias, simplesmente ignorados pela grande imprensa e denunciados às autoridades pelo movimento gay organizado.
Diferentemente do que quer vender a revista, o preconceito ainda é muito elevado em alguns setores da sociedade, principalmente naqueles mais pobres, que a revista simplesmente prefere ignorar. Apesar de em parte a atitude da revista ser benéfica, ao retratar a homossexualide como algo absolutamente normal e cotidiano, sua conclusão final é desastrosa, e até mesmo prejudicial. Resta uma refutação veemente e melhor elabora por parte do movimento gay, conhecedor de muito mais casos de preconceito e violência do que qualquer pessoa de fora.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
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