domingo, 7 de outubro de 2007

Revista VEJA e Che Guevara

A penúltima edição da revista VEJA trouxe à sua capa a figura de Che Guevara, indício claro de que o personagem histórico seria alvo de no mínimo alguma palavra de baixo calão. VEJA se destaca ao exercer, em escala nacional, o papel de maior veículo de divulgação do pensamento da direita brasileira. Nenhuma surpresa o fato da figura de Che Guevara ser vista com repugnância pelos editores da revista, assim como da maior parte de seus leitores.

Guevara após sua morte tornou-se um mito. A idealização erguida em torno da sua figura foi uma consequência do processo de romantização das lutas revolucionária das décadas de 60-70. Milhões de jovens por todo o mundo vestiram camisas com sua imagem, muitas vezes sem possuir o menor conhecimento à respeito dos eventos ocorridos em Cuba em 1959. A figura do revolucionário, a partir daí, esteve sempre muito ligada à insatisfação típica da juventude. Muitas vezes o ato de vestir a camisa com a imagem do revolucionário consistia muito mais em uma simples demonstração de rebeldia infundada do que de admiração à pessoa em si.

A reportagem de VEJA tenta desconstruir essa imagem mítica do revolucionário. Uma tentativa justa e legítima, tratando-se VEJA de uma revista de interesse geral. O erro consiste no tipo de abordagem utilizada para realizar tal desconstrução: o destaque de aspectos negativos da sua personalidade, baseada em depoimentos de militares bolivianos e agentes da CIA infiltrados. A partir daí, conclui VEJA tratar-se Che de um sujeito arrogante, sedento por sangue, malcheiroso, maníaco, paranóico, e mais um rol de adjetivos que parecem descrever a figura do próprio Satanás. Essa abordagem extremamente simplista e maniqueísta soa como ridícula, rebaixando o nível do jornalismo de VEJA a um patamar subterrâneo.

Tal atitude demonstra descaradamente a linha ideológica da revista, sempre orgulhosa de sua suposta imparcialidade. Erros e reportagens ruins existem por toda parte. O que realmente é incômodo é o fato de uma revista como essa ser reconhecida como a mais importante e influente revista semanal do Brasil, sendo considerada leitura obrigatória para qualquer cidadão desejoso de estar "antenado" diante das questões nacionais. Isso soa como ofensa ao bom senso. Dentro do meio jornalístico, VEJA é vista como piada: dedicam-se aulas inteiras de faculdades de Jornalismo para apontar os gritantes deslizes cometidos por VEJA.

Che de fato pode ter sido de fato arrogante, sedento por sangue, malcheiroso, maníaco e paranóico. Mas seria um ato de extrema ignorância negar a sua importância no processo histórico do Século XX. A tentativa de VEJA é atirar a figura de Che ao ostracismo, relegando-o a um mero acidente ocorrido na história de Cuba. Acentuar as características pessoais de um personagem histórico consiste em uma tentativa atrair o interesse superficial da maioria das pessoas pelo assunto, rebaixando a história a uma mera coleção de perfis biográfico de um rol de indivíduos . A VEJA comete uma ofensa à disciplina histórica ao realizar uma reportagem tão patética e desprovida de senso jornalístico.

A idealização em torno da figura de Che Guevara é um terreno fértil para inúmeras reflexões e discussões que possuem uma grande probabilidade de serem produtivas. A reportagem não conseguiu atender a essas expectativas. Eis a explicação de seu sucesso: a ausência de reflexões mais bem elaboradas e a simplificação dos fatos, assumindo a revista um caráter de panfleto. Poderemos esperar nos próximos meses a diminuição do uso de camisas de Che Guevara, devido à influência da revista nos setores que se auto-intitulam formadores de opinião. Enquanto isso, os acadêmicos permanecem encastelados, indiferentes a toda essa maré de opiniões que percorre a sociedade dos meros mortais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa exposição. Uma docente do nosso departamento também escreveu sobre isso. Aí vai o link: http://www.fazendomedia.com/facina.htm

Anônimo disse...

Pedro, parabéns por seu texto, não somente muito bem escrito e conduzido, mas também isento de pré-julgamentos. Justamente o que a Veja faz em suas páginas. Um texto como o seu mostra o quão vazia está a mente da classe média brasileira, que ao mesmo tempo vestia a camisa do Che e hoje diz que preferia a ditadura... Fui em Cuba, em 1988, um país fantástico, uma viagem genial onde muito aprendi sobre o que realmente foi a Revolução Cubana e a participação de seus personagens, tanto cubanos quanto americanos.
Mas podemos esperar sempre de Veja que desconstrua os mitos em elementos pessoais insignificantes para o contexto histórico. Seria como uma revista de esquerda desconstruir Kennedy, mais um sujeito arrogante, sedento por sangue, malcheiroso, maníaco, paranóico, beberrão e mulherengo. Mas será que não foram quase todos eles assim? Desde Jesus Cristo, passando por César até Tancredo.
Mais uma vez parabéns.
Ass.: um xará!