Após um longo período de descansos acadêmicos, o blog enfim resolve retormar suas atividades. Dessa vez tratando de um tema concreto e facilmente perceptível para qualquer indivíduo habitante de uma grande cidade brasileira. Apesar de inicialmente ser concebido como um "tema profundamente filosófico", me limitarei a abordar os aspectos superficiais da paisagem urbana brasileira nesse princípio de século. O "recorte" selecionado trata-se puramente da cidade do Rio de Janeiro, segunda maior metrópole do país, possuidora de aspectos que exemplificam muito bem a realidade vivida nas outras grandes cidades do Brasil.
A primeira característica da grande cidade brasileira é a constante presença de detritos, orgânicos ou não, nos seus pavimentos. A despeito dos bravos esforços dos funcionários municipais responsáveis pela limpeza, a grande maioria da população, tanto nas camadas mais ricas quanto nas mais pobres, não hesita de maneira alguma em desrespeitar os princípios mais básicos da civilidade. O lixo é despudoradamente atirado fora das lixeiras, assim como muitas vezes os indíviduos satisfazem suas necessidades fisiológicas nas próprias calçadas. Como consequência disso, é constante o odor de excrementos humanos nas grandes cidades brasileiras. Soma-se a isso ao fato de alguns portadores de animais domésticos colocarem os mesmos para defecar nas próprias ruas, muitas vezes sem realizar qualquer limpeza posterior.
A completa desordem do transporte urbano é outra característica marcante da grande cidade brasileira. As grandes ruas dos bairros encontram-se quase sempre congestionadas, poluídas e barulhentas. O principal fator responsável por isso é o grande número de automóveis de "passeio", símbolo da prosperidade material do capitalismo do Séc XX. É impregnada na mentalidade coletiva de todas as classes sociais a idéia da posse de um carro. O resultado dessa estranha reificação da felicidade na posse de um automóvel é um completo caos na malha urbana. O transporte coletivo é visto como um grande estorvo pelas classes mais abastadas, sendo o seu uso relegado às grande massa da população pobre. Devido à maior utilização do transporte coletivo pela população pobre, as empresas responsáveis realizam uma completa negligência na manutenção da boa qualidade do serviço. O resultado disso é um grande número de acidentes resultantes de falhas mecânicas, além de uma péssima situação para os usuários da maioria dos serviços de transporte coletivo. A circulação pela cidade, independente da maneira pela qual é feita, torna-se um fator de estresse para a maior parte das pessoas.
Outra característica da grande cidade brasileira, resultante do ritmo cada vez maior da prosperidade econômica proporcionada pelo modo de vida capitalista, é o progressivo aumento do número de grandes estalecimentos comerciais, em detrimento da presença dos pequenos estabelecimentos. Aparentemente irrelevante, essa questão se analisada com uma profundidade um pouco maior revela uma mudança muito grande no ambiente urbano e na sua população. O crescente aumento da carga horária resultante da "escravidão" do trabalho resulta em uma diminuição dos momentos de lazer e em um aumento do fator de estresse da maior parte dos indivíduos. O aumento do número de grandes estabelecimentos comerciais visa atender as demandas materiais da população de uma maneira mais rápida e ágil. Aos poucos, vai desaparecendo aquele típico "bucolismo" dos estabelecimentos comerciais do começo do século XX, dando lugar a uma mudança radical nas relações entre os indivíduos responsáveis pela compra e pela venda. Há um retrocesso nas relações humanas dentro do ambiente urbano, em prol de uma cultura que prega cada vez mais pela ausência de diálogo e interação humana. Caminha-se para um ambiente quase "cyberpunk", onde as relações humanas tornam-se cada vez mais distantes e superficiais, denunciando uma conjuntura anti-humanista.
A cidade é um grande retrato da espécie humana. A grosso modo, pode ser considerada uma extensão material da cultura e da mentalidade do homem. Refletir sobre mudanças no "habitat" de grande parte da nossa espécie é refletir sobre mudanças dentro de nós mesmos. Fica aí uma espécie de apelo para a reflexão individual, cada dia mais marginalizada e perdida nos discursos da grande imprensa e das brilhantes análises do senso comum.
Pedro
terça-feira, 28 de agosto de 2007
sábado, 11 de agosto de 2007
Resenha
Resenha:WEBER,Max.''A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo''.Tubinger,1904/5.
Max Weber,um dos fundadores da sociologia moderna,em seu clássico livro relaciona as idéias de algumas correntes protestantes- calvinismo,pietismo,metodismo,seitas batistas e luteranismo-acerca de predestinação,trabalho,riqueza e vocação com o nascimento de uma ideologia burguesa,que ele chama de espírito do capitalismo,e que permitiu a dominação política e social do capitalismo.
Os'' pontos altos'' do livro são a seua definição para o capitalismo e a análise das igrejas protestantes.A definição que Weber dá para o capitalismo-a utlização racional da força de trabalho,dos meios de produção e do capital para a obtenção de lucro-foge da vulgaridade daquela visão do capitalismo formado por ''burgueses inescrupulosos'' e ''trabalhadores alienados''.
Mas essa definição apresenta problemas quando Weber diferencia as sociedades pré-capitalistas e capitalistas,já que o autor vê como a diferença entre as citadas sociedades o uso racional da força de trabalho e dos meios de produção pelas últimas.Mas hoje é claro para a historiografia que todas as formas de organização social são racionais.Mas isso é perfeitamente capaz de se relevar,se considerarmos o eurocentrismo da época.
A análise das igrejas protestantes é o grande mérito de seu livro. Com a utilização dos textos dos lideres das igrejas estudadas e de estudiosos sobre o assunto,Weber consegue fazer uma análise(na medida do possível imparcial)e pormenarizada das igrejas estudadas.
A tese do livro- a ética protestante como base de uma ideologia essencialmente burguesa-talvez seja o ponto mais discutível do livro.Diante dos estudos historiográficos seja lícito supor que o ''espírito do capitalismo'' foi se formando a partir da Baixa Idade Média(com o crescimento do comércio) e na idade moderna ela já estaria bem desenvolvido,mesmo que restrito apenas aos círculos burgueses.
Diante do anacranismo da ética católica,frente a ascenção social da burguesia,e da liberda e mudanças trazidas pela reforma, a ética protestante surge como arcabouço ideológico das idéias capitalistas(ou proto-capitalistas).
Isso pode ser vistos pelos lugares que,segundo Weber, a ética protestante mais se desenvolveu.Historiadores como Perry Anderson mostram que em lugares como Holanda e Inglaterra as atividades comerciais e a importância dos burgueses eram muito importantes.Portanto os ideais calvinistas,puritanos e pietistas de trabalho como vocação,desculpabilização da riqueza,condenação dos gastos superfúlos e das atividas não-práticas encontraram terreno fértil para se desenvolverem e permitirem a expansão do espírito do capitalismo para outros setores da sociedade(e nisso Weber acerta ao afirma que a ética protestante formou uma massa de trabalhadores disciplinada e silenciosa para os capitalistas).
O livro ainda hoje,e apesar dos anacronismos,é fundamental para entender a mentalidade burguesa.Altamente recomendado.
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